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terça-feira, 7 de junho de 2016

SERTÃO, MEU REINO ENCANTADO

SERTÃO, MEU REINO ENCANTADO
1
Sou filha do Ceará
Sou cabocla nordestina
Por força das circunstâncias
Eu me tornei peregrina
Mas trago no matulão
As lembranças do sertão
Que minha alma rumina.
2
Em Ipueiras nasci
Amparada por parteira
Já me botaram quebranto
Curou-me a rezadeira
Figura sempre presente
Nos tempos de antigamente
Não faltava benzedeira.
3
Para mim, digo é sagrado
Seguir essa tradição
Eu tomo minhas mezinhas
Como nos tempos de então
O Chá da malva e cidreira
Inda faço na chaleira
E tomo como infusão.
4
Lembro do meu velho pai
Que chegou pertos dos cem
Vivia tomando chás
Das plantas que o sertão tem
Muito chá pra ele fiz
De casca, folha e raiz,
Jalapa, angico, e torém.
5
Eu acordava com o galo
Cantando ao raiar do dia
O meu café da manhã
Era mamãe quem fazia
Com goma de mandioca
Produzia a tapioca
Nosso pão do dia-a- dia.
6
Oito filhos mamãe tinha,
Enchendo seu casarão
Menino pra todo lado
Não faltava confusão
E na hora do conflito
Papai já metia o grito
E baixava o cinturão.
7
Era tempo de calçadas,
Brincadeiras e quintais
Bons tempos da meninice
Efêmeros, porém reais
Tatuados na memória
Mosaicos da minha história
Que não esqueço Jamais.
8

Três meninas três Marias
Formavam a constelação
Do solar que abrigava
Família de tradição
Rosina, Deia e Dalinha
Nascidas da mesma linha,
Dos Catunda e Aragão.
9
Eu achava carinhoso
E até achava bonito
Quando seu Maninho Lopes
Seguindo o mesmo rito
Olhando pras criancinhas:
Essas são as estrelinhas
Da Neuza e do Espedito.
10
Eram cinco os meninos
O nome deles eu cito
Na lista Eduardo e Cesar,
E também o Tony e Dito,
Só faltou mesmo citar
O mais novo deste lar
Conhecido por Nelito.
11
Brincadeira de menina
Era peteca jogar
Pular corda e amarelinha
E com bonecas brincar
Bonecas de pano feitas
Que deixavam satisfeitas
As meninas do lugar.
12
As panelinhas de barro
Que vinham com o fogão
Eram rústicos brinquedos
Arte simples do artesão
Eram brinquedos de feiras
Usados nas brincadeiras
Das meninas do sertão.
13
Os meninos bem me lembro
Porque prestava atenção
Bola de gude jogavam
Também soltavam pião
Eu ficava encantada
Vendo o pião que girava
No assoalho ou na mão.
14
Era tempo de alegria
E tempo de brincadeira
O cavalinho de pau
O carrinho de madeira
Papagaio colorido
Com menino exibido
Vadiando no terreiro.
15
Nas velhas festas juninas
Fogueiras e animação
Batata doce na brasa
E seguindo a tradição
Tinha aluá pra tomar
Milho verde para assar
Pegava fogo o sertão.
16
Na porta de cada casa
Uma fogueira ardia
A música de Gonzaga
Era só o que se ouvia
O povo alegre dançava
A meninada brincava
Era animada a folia.
17
No tempo da invernada
Quando o rio dava enchente
No meio da correnteza
A criançada contente
Brincava de tibungar
Como é gostoso lembrar
As farras de antigamente.
18
Hoje eu ainda recordo
Na água a deslizar
O barquinho de papel
Que eu fazia pra brincar
Ele seguia em frente
Naquela água corrente
Diante do meu olhar.
19
Andei em perna de pau
Gritei palhaço na rua
Acreditei que São Jorge
Morava dentro da lua
De esconde-esconde brinquei
Bola de pano, joguei,
Me achava a dona da rua.
20
Velhas cantigas d’outrora
Trago na recordação
Inda me pego cantando:
“Cai cai, balão, cai, cai balão”
Modas da antiguidade
Hoje só resta a saudade
Morando em meu coração
21
Na festa da padroeira
Fui anjo em coroação
Nos rituais das novenas
Eu seguia a procissão,
Seguindo a santa no andor
E cantando em seu louvor
Em nome da devoção.
22
Assim cresci no sertão
Até mocinha ficar
E de mãos dadas na praça
Eu cheguei a passear
Girando com as meninas
Como eu também ladinas
Sertanejas do lugar.
23
Neste tempo era costume
E função do locutor
Os recados pelo rádio
As mensagens de amor
Que alguém para alguém
Mandava para o seu bem
Nas ondas do interior.
24
As tertúlias que beleza
O velho bingo dançante
A turma se divertia
Dançar era instigante
Sem cachaça sem bebida
Jovens levavam a vida
De maneira interessante.
25
A dança eu vou lhe dizer,
Sem ter medo de errar
Era a oportunidade
Pro namoro começar
Se o cara acertasse o passo
Escapava do fracasso
De ficar sem namorar.
26
Vida melhor não havia
Isso eu posso lhe dizer
No fim da tarde a calçada
Era ponto de lazer
Eram tantas as cadeiras,
Adivinhas, brincadeiras,
Que não tem como esquecer.
27
Nesse tempo o romantismo
Se embalava na canção
Serenatas ao luar
Ao som de um violão
Espiando da janela
Sonhava cada donzela
Suspirando de emoção.
28
Noivado depois namoro,
Em seguida o casamento
Toda vestida de branco
Fazia seu juramento
Pois assim era o casório
Na igreja e no cartório
Pra fechar o sacramento.
29
Mas se o pai não quisesse
Com um namoro concordar
O rapaz roubava a moça
Pra com ela se casar
E mesmo não satisfeito
O casamento era feito
Todos tinham que aceitar.
30
Assim era meu sertão
Dos tempos de antigamente
Causos lendas e histórias
Escutei da minha gente
Eu hoje nesse traçado
Trago de volta o passado
Para mostrar no presente.
31
Cada verso aqui cantado
Não é minha invenção
A memória consultei
Na hora da criação
Também recorri a musa
Que a mim nunca recusa
Um pouco de inspiração.
32
A Deus pai eu agradeço
Por cumprir esta jornada
Escrever é minha sina
O cordel é minha estrada
Na mente e no coração
A cultura do sertão
Eu tenho bem preservada.
*
Cordel de Dalinha Catunda

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