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segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sentença em versos, por Marcos Maírton

CORDEL DE SAIA, espaço voltado para a produção e a temática feminina na literatura de cordel, replica sentença em versos do poeta-juiz, Marcos Maírton, em que relata o pedido de um amigo juiz federal para que exemplificasse algum modelo de senteça em versos sobre o direito civil. 
Vale a pena ressaltar que este espaço dedica-se também a publicar a produção de poetas preocupados com a condição feminina: seus direitos e suas conquistas Acompanhe abaixo o relato:
(...)
Eu havia terminado as audiências daquele dia e estava em meu gabinete, quase no final da tarde, quando meu amigo e colega juiz Federal, Nagibe de Melo Jorge Neto, telefonou-me dizendo que estava escrevendo um livro sobre a técnica na elaboração de sentenças.
  • Eu gostaria de incluir entre os exemplos uma sentença em versos da sua lavra, mas a única que conheço é uma que você fez em matéria penal, e o livro é sobre sentenças cíveis – disse-me ele.
  • De fato, amigo, não tenho nenhuma sentença em versos em matéria cível. Mas posso fazer uma, se você puder esperar... – respondi.
  • O livro está quase pronto, mas, quando fizer a sentença, me envie. Se ainda houver tempo, eu incluo...
  • Pois bem. Até receber o telefonema do Nagibe, eu nem estava pensando em escrever versos naquele dia. Mas o cordelista – assim como o repentista – recebe um pedido desses como um desafio. Diz-se que a maior vergonha para um repentista é não conseguir fazer versos sobre um mote que lhe seja proposto. Acho que o cordelista não chega a tanto, mas basta um estímulo assim para despertar o seu instinto de versejar.
  • Desliguei o telefone, acessei o sistema do Juizado Especial Federal, abri o primeiro processo que estava pronto para julgamento, e lá estava uma das muitas ações ajuizadas por mulheres que pretendem se aposentar como trabalhadoras rurais. No caso, o INSS alegara que a autora não havia apresentado nenhum documento que servisse para provar minimamente a sua condição de agricultora. Percebi, porém, que a certidão de casamento estava nos autos, e nela constava que o marido era agricultor. Por esse tempo, o STJ já havia decidido que uma certidão assim serviria como início de prova documental da condição de agricultora da esposa.
  • Duas horas depois, a sentença que Nagibe havia me pedido estava pronta. Ficou mais ou menos assim:
    Dona M. F. L.,
    Ajuizou esta ação,
    Pleiteando aposentar-se,
    E, em sua argumentação,
    Vem alegando a autora
    Que foi sempre agricultora,
    Vivendo em zona rural.
    Sendo essa a sua lida
    Deve ser reconhecida
    Segurada especial.
    *
    O INSS
    Não chegou a contestar
    O pedido em juízo,
    Mas eu posso constatar
    Que, no administrativo,
    Está escrito o motivo
    Daquele indeferimento.
    O motivo da ocorrência
    Foi a falta de carência
    Quando do requerimento.
    *
    Sendo assim, o que existe
    De ponto controvertido
    É apenas um aspecto
    Para ser esclarecido:
    É resolver se a autora
    Era mesmo agricultora
    Desde sua tenra idade,
    Ou se não é nada disso,
    E fazia seu serviço
    Só em casa ou na cidade.
    *
    As testemunhas disseram
    Com muita convicção
    Que a autora sempre teve
    Na roça a ocupação.
    Ocorre que o benefício
    Requer também um início
    De prova documental.
    Por isso, neste momento
    Procuro algum documento
    No processo virtual.
    *
    De tudo que examinei
    Destaquei a certidão
    De casamento da autora,
    Onde consta a profissão.
    Sem defeito nem rasura,
    Consta que agricultura
    É a profissão do marido,
    Que à autora se estende
    A Justiça assim entende,
    Decide nesse sentido.
    *
    Sabendo que a certidão
    Data de noventa e seis,
    E desde setenta e oito
    O casamento se fez,
    Eu me dou por convencido
    Que foi mesmo atendido
    O período de carência
    E ao pedido formulado,
    Na inicial estampado,
    Dou completa procedência.
    *
    Que se implante o benefício
    Que paguem os atrasados
    Que da presente sentença
    Sejam todos intimados.
    Mas, antes da intimação,
    Faço a determinação
    De que a Contadoria
    Faça a liquidação
    De toda a condenação
    Tal como a lei já previa."
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