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terça-feira, 3 de maio de 2011

José Soares - patrono ABLC

 José Soares, o poeta repórter
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Patrono da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, hoje, ocupada pela poeta do Crato, Josenir Lacerda
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A literatura de cordel, em suas várias vertentes temática aborda os fatos do cotidiano local e do mundo – o que os estudiosos e também os poetas chama de literatura de acontecidos, de época ou jornalística.

O poeta paraibano José Francisco Soares, (1914 – 1981), se especializou no viés jornalístico da literatura de cordel e, podemos afirmar que foi o maior poeta desse gênero no Brasil, daí ter recebido a alcunha de “o poeta repórter”. Suas obras foram centradas na notícia, lia vários jornais diariamente, além de ouvir programas de rádio para manter-se no foco dos principais acontecimentos do município, cidade, estado, país e do mundo. Desde a infância estava mergulhado na literatura de cordel, tinha familiares envolvidos com a composição poética, como seu primo, o violeiro Agostinho Lopes dos Santos e seu tio Inácio da Catingueira, um dos mais célebres cantadores do Nordeste de todos os tempos. Quando criança passou mais tempo nas feiras e mercados, fazendo biscates e ouvindo os cantadores e poetas.

Era perito em identificar notícias que despertavam o interesse de seus leitores e recriá-las na forma poética, produzindo folhetos com uma rapidez nunca vista, para vendê-los enquanto a notícia não caia no esquecimento. Mas José Soares não foi apenas o poeta da notícia. Escreveu folhetos sob a temática do gracejo, histórias de milagres, relatos da vida dos sertanejos e teve uma vasta produção sobre uma de suas grandes paixões – o futebol. Como a maioria dos poetas de sua época, além de escrever participava de todo o processo de produção do folheto: da criação, composição gráfica, impressão, divulgação. Era comum vê-lo à porta de estádios de futebol com o folheto do jogo, que acabara de se realizar com o folheto sobre o assunto já à venda. Sua veia jornalística propiciava-lhe aprontar o folheto com antecedência, deixando apenas o título e o resultado para serem preenchidos.

Publicou seu primeiro folheto aos 14 anos, intitulado Descrição do Brasil por estados. Aos quinze anos fica órfão de pai e mãe e se vê responsável pelos irmãos e todo o sustendo da família. Poeta como Manuel D'Almeida Filho e Manoel Camilo dos Santos foram grandes incentivadores do jovem poeta. Como era difícil viver só de poesia, trabalhou em várias atividades, mas dedicou-se mais à de pedreiro, em Recife, Rio de Janeiro e Niterói, entre outras cidades.
Em 1958, alugou um espaço ao lado do Mercado São José, em Recife, para instalar sua banca de revistas, para a qual deu o nome de Barraca Tricolor, em homenagem ao seu time do coração, o Santa Cruz. Dessa forma pode se abastecer de notícias para a criação de seus versos e venda de folhetos. Em 1969, torna-se editor de folhetos, estabelecendo a Gráfica Tricolor, em Casa Amarela. Constituiu uma ampla rede de distribuidores por todo o nordeste.

Aliás, a distribuição de folhetos por revendedores e cegos cantadores em praças, constituiu uma fonte de economia, mesmo com pequenos ganhos o poeta manteve a si e a outros, como folheteiros, cegos e revendedores em outros municípios e mesmo outros estados. Esta posição nos evidencia o caráter de solidariedade do poeta de cordel.

A rapidez e o sucesso conquistados na confecção dos folhetos despertaram o interesse de políticos, que faziam encomendas nas ocasiões de campanhas eleitorais. José Soares nunca declamava ou cantava, era um tradicional “poeta de bancada”.

Como todo poeta de cordel, nunca teve vida tranquila ou sedentária. Casou-se 3 vezes e teve muitos filhos. Do terceiro casamento foram seis, um dos quais herdou o dom da arte popular-, o xilógrafo e poeta Marcelo Soares, que desde muito pequeno o acompanhava na venda dos cordéis. Veja os versos no folheto José Soares – o poeta repórter do Recife, 1978, de Homero do Rêgo Barros.

“(...)
Marcelo, filho estimado,
Trata-o com todo carinho:
Reveza seu pai na banca
Se ele vai longe ou pertinho.
Bendito seja o ditado
- Filho de gato é gatinho”

Outro folheto de grande receptividade foi o A morte do bispo de Garanhuns, Dom Expedito Lopes, 1980, que vendeu mais de 108 mil exemplares, em que disse:

“ Garanhuns esta de luto:
Numa bisonha manhã
Foi morto dom Expedito,
Um bispo de alma sã,
Pelo revolver dum padre
Partidário de Satã.

Sim, leitores esse padre,
Com seu instinto pagão,
Com três tiros de revolver
Prostrou sem vida no chão
A dom Expedito Lopes,
Príncipe da religião.”

José Soares sabia cativar seus leitores com a qualidade de seus versos, fosse pelas rimas, métricas e orações. Empregava metáforas simples, mas capazes de despertar emoções. Vejam os versos:

“ Dom Expedito gemia
Se contorcendo de dores;
Ele, sendo tão pacato,
Nunca pensou em horrores;
Estava em leito de espinhos
Quem tanto cuidou de flores!”

Nas duas últimas estrofes desse título, José Soares demonstra toda a sua maestria compondo em setilhas, dando mais força à conclusão do folheto.

“(...)
O mundo é um vale de lágrimas,
A morte, temos por certo;
Nossa vida é por enquanto,
Nosso túmulo vivo aberto;
Contente o bispo vivia
Porque ainda não sabia
Que a morte estava tão perto.

Termino caros leitores,
Nada mais tenho a dizer;
O triste acontecimento
Estou disposto a vender;
De um jornal escrevi,
Porque lá não assisti:
Melhor não pude fazer.”

Nos últimos anos de sua vida, tinha a saúde bastante abalada, mas não esmorecia na produção de folhetos, o último título publicado foi O incêndio das barracas de fogos em Garanhuns, concluído duas semanas antes de sua morte. Morreu, em 1981, em Timbaúba, onde vivia nos últimos anos.

Teríamos ainda muito a dizer dessa passagem tão rica que foi a vida e a obra de José Francisco Soares, José Soares ou Zé Soares, mas SEMPRE, o poeta repórter!!!!! 

Maria Rosário Pinto
2010
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Bibliografia

Soares, José Francisco1914-1981. José Soares. Introdução e seleção Mark Dinneen. São Paulo: Hedra, 2007. 158 p. il. (Biblioteca de cordel).

Soares, José Francisco1914-1981. A morte do bispo de Garanhuns, Dom Expedito Lopes

Soares, José Francisco1914-1981. José Soares – o poeta repórter do Recife, 1978

Veja também:
http://rosarioecordel.blogspot.com
http://cantinhodadalinha.blogspot.com

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